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Archive for the ‘Looking-Glass’ Category

Portas

Florence finalmente chegava a seu mais novo destino. Uma comprida, porém simples cabana de madeira. Ali dentro, disseram, ela poderia encontrar muitas verdades que procurava. Talvez, descobriria até como voltar para casa.

Contudo, havia algo de estranho naquela cabana. Duas portas, idênticas, uma ao lado da outra. Em cima das portas, entalhado na madeira, lia-se “ESCOLHA”, em letras garrafais.

Florence caminhou em direção à porta da esquerda. Contudo, hesitou ao girar a maçaneta. Como saber qual era a certa? E o que aconteceria se entrasse na porta errada? Florence estava ali tempo suficiente para saber que escolhas erradas costumavam sair caro nesse mundo. Voltou e sentou-se em frente à cabana. Apoiou a cabeça em suas mãos enquanto encarava as portas.

Não demorou muito e um saltitante coelho passou por Florence. Ele nem olhou para Florence, para a palavra ou para as portas. Abriu logo a porta da direita e pulou para dentro. Florence sorriu, aquele coelho sabia das coisas. Correu até a porta da direita e entrou.

Florence não podia acreditar em seus olhos. À sua frente, outra cabana. Ou seria a mesma? A mesma palavra entalhada de forma idêntica. Só que dessa vez, haviam três portas ao invés de duas. E o coelho havia inexplicavelmente desaparecido. Florence logo percebeu que dessa vez, ninguém apareceria desta vez para ajudar. Escolheu novamente a direita.

Florence já sabia o que iria ver. A mesma cabana, quatro portas. Iria escolher a direita toda vez. Afinal, algo semelhante funcionava com labirintos e seria fácil de voltar caso sua estratégia não funcionasse.

E assim foi. Porta após porta, Florence seguia em frente. A cada porta que abria e voltava a ver a cabana, sua confiança diminuía, embora ela não demonstrasse. Quando ela chegou a doze portas, Florence perdeu a coragem de continuar. Aquilo estava se tornando cada vez mais complicado e não havia nada ali indicando que ela estava fazendo a escolha certa. Era hora de voltar.

Florence abriu a porta por onde veio, mas não estava preparada para o que viu, embora não fosse tão surpreendente assim. A mesma cabana, treze portas. Florence sentou-se no chão e começou a chorar. Aquilo não era um labirinto e ela ficaria presa ali para sempre.

“Não chore.” – uma voz inumana disse em meio às lágrimas de Florence. Ela olhou em volta, assustada. Não havia ninguém ali.

“Aqui embaixo.” – Florence olhou para baixo. E viu o que parecia ser sua própria sombra materializar-se em sua frente. Uma forma negra levantava-se fluidamente do chão, vazando para os lados. Quando finalmente terminou, não se parecia nada com Florence. Dois olhos amarelos brilhantes abriram-se. Apesar de ser um tanto bizarra, Florence não teve medo. Podia sentir que sua sombra queria apenas ajudar.

“Eu estou perdida aqui. Nós estamos.” – Florence agora continha suas lágrimas. “E eu não sei como sair.”

“Claro que você sabe.”

“Eu sei?” – Florence agora estava perdida.

“Sim. Se eu sei, você também sabe.” – o rosto da sombra se movia. Florence achou que era uma tentativa de sorriso.

“Se você sabe, então me fala logo! Qual é a porta?”

A sombra riu. “Qual porta? Pelo jeito, vamos ficar aqui por mais um tempo…”

Florence agora sentia-se irritada e, honestamente, um tanto quanto ofendida por sua própria sombra. “Se você vai ficar rindo aí e não vai me ajudar, por que veio?”

“Vir? Eu sempre estive aqui!”

“Claro, mas não desse… jeito.”

“Eu só tenho um jeito. Florence, pense…” – Ela bem que estava tentando, porém sem muito sucesso. A sombra aproximava-se lentamente. “Se eu tenho a resposta, você também tem. Nós somos a mesma coisa.”

Florence suspirou e olhou para baixo. Quando viu sua sombra ainda no chão, intacta, Florence entendeu o que estava acontecendo. Caminhou em direção à forma negra e a abraçou. Imediatamente, ela sentiu uma conexão que nunca havia sentido antes. Havia se conectado consigo mesma pela primeira vez em muito tempo, talvez pela primeira vez na vida.

Agora ela possuía a resposta enquanto a forma negra dissolvia-se no chão. “As portas nunca tiveram nada a ver com isso, não é mesmo? Obrigada.” – Florence sorria e, em segundos, estava sozinha novamente.

Florence andou em direção a uma porta, confiante. Não importa qual delas. Abriu a porta e entrou. Finalmente, estava dentro da cabana e desse dia em diante, entendia que não importava a circunstância, ela estaria sempre no lugar certo e na hora certa, uma vez que era ali onde ela estava agora e nada mais importava.

Florence finalmente encontrara a verdade que procurava. O que havia dentro da cabana é uma outra história.

(Doppelgänger: Autor Desconhecido – As I Began to Love Myself)

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“Não Rolou?”

Finalmente. Hoje é o dia. Melhor dizendo, a noite. Acordei ao amanhecer sozinha, o coração já batendo mais forte. Parece piegas, mas sempre me sinto assim. Como se fosse a primeira vez.

Mas até chegar a hora tão aguardada, o dia é exatamente como qualquer outro. Só que pior; eu sei que o tempo precisa passar rápido. Infelizmente, todos temos obrigações. Não que meu dia seja ocupadíssimo, mas é difícil manter a concentração em qualquer outra coisa. Fico pensando, pensando…  “e se dessa vez não rolar como da última? O que pode dar errado?”
Enfim, vocês sabem como é. Aquela típica tortura psicológica auto-infligida, que precede qualquer momento verdadeiramente significativo.

Obviamente, as horas passam arrastadas. Em qualquer outra ocasião, já seria um novo dia. Mas não hoje. Percebo que todos evitam falar comigo mais que o necessário. Sabem que meu humor não é dos melhores. Irrita-me que eles me conheçam tão bem. Dá vontade de gritar com elas por não terem me dado a oportunidade de gritar com eles. Finalmente o dia passa e eu posso sair daqui.

A próxima fase também não me agrada. Aparência é essencial. Principalmente quando dizem que não é. Por sorte, escolho minhas roupas rapidamente. Talvez rápido demais. “E se eu me esqueci de algo? As cores estão certas? O vestido não é curto demais? E aquele outro não seria longo demais?”
As perguntas se multiplicam enquanto encaro uma mulher cada vez menos confiante no espelho. Por fim, encontro a combinação perfeita.

Mas ela me custou quinze minutos de atraso. Olho ao meu redor, ninguém parece estar entediado. Ótimo. O salão como sempre está lindo. Sento-me e logo depois ele chega. Impressionante como todos aparecem com a mesma expressão no rosto. Até hoje não consigo identificar qual o sentimento que aquele semblante tão familiar esconde…
Estão todos olhando para mim. Acho que me calei por muito tempo. Chegou a hora. Meu coração quer explodir. Tento falar, mas nenhum som sai da minha boca. Na terceira tentativa minha voz consegue sair, talvez um pouco alta demais.

“Cortem-lhe a cabeça!”

Arregalo os olhos enquanto a lâmina desce. Segundos depois, todos deixam escapar um murmúrio de espanto. Quase que instantaneamente perco o controle. Está tudo arruinado.

A cabeça não rolou? Como não rolou? Construímos até uma rampa para que isso jamais acontecesse! Ela era grande demais? Pesada demais? Talvez quadrada demais. De todas as coisas que podiam dar errado… essa é a pior delas! A pior!

Estão todos estáticos, esperando o que vai acontecer. Nem eu sei ao certo. Antes que eu possa pensar, algo ainda mais inesperado tira novas interjeições de espanto da boca dos convidados. Em um ato de desespero, o carrasco acertara um chute muito do bem dado na cabeça. Ela subiu alguns metros, voou por alguns segundos e finalmente se encaçapou dentro de uma cesta de maçãs em cima da mesa do banquete.

Um silêncio mortal cortou o salão. Logo depois, veio o riso. Generalizado, incontrolável. Durou vários minutos.
Nascia assim uma nova tradição.

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Boas Novas!

Qual foi a minha surpresa ao descobrir que aquele baú estava esperando por mim há quase duzentos anos! Como isso era ao menos possível eu jamais saberei. Mas não importa. Dentro do baú havia apenas uma carta. Contudo, era a carta mais importante que eu receberia durante toda a minha vida.

“Querida Florence,

Eu pressinto que um tempo ainda mais sombrio que o meu está para chegar. Por isso, escrevo-lhe esta carta. Ela contém palavras que jamais podem ser esquecidas. Eu tenho a certeza de que ela chegará até você no tempo certo.

Esse é um tempo de transição, assim como o seu. Eu vejo que nossos valores estão distorcidos. Nossa fé é cega e se concentra em ensinamentos valiosos, porém congelados no tempo; e nossas esperanças residem na certeza de que poderemos responder todas as perguntas no futuro. Infelizmente, falhamos em perceber que a chave de tudo encontra-se no agora. Anos vão se passar até que todos saibam que o certo e o errado residem dentro de nós, e que jamais seremos capazes de responder certas perguntas. Simplesmente porque não é nosso papel respondê-las.

Florence, as pessoas perderam a fé tanto umas nas outras, como nelas mesmas. Tanta coisa errada está acontecendo. Olham para dentro de si com os temores do mundo afora e tudo que conseguem enxergar é escuridão. Por isso, morrem de medo de olhar novamente. Isso é um erro. Se olhassem, saberiam que o ser humano é bom por natureza. Se alguém lhe disser o contrário, não acredite! Se algum dia você duvidar disso, feche os olhos e preste muita atenção. Você verá que eu estou certo.

Por isso, muitas pessoas acreditam que não merecem ser felizes. Dão tanta importância para as perdas que não prestam atenção nos ganhos. Lembram-se sempre de reclamar, e nunca de agradecer. Quando se sentem felizes, estão incomodadas. Involuntariamente farão de tudo até que voltem à condição anterior de miséria. Acostumaram-se ao sofrimento. Acreditam que, dessa forma, serão recompensadas no futuro por algum senso de equilíbrio no universo. Acontece que, se elas próprias não se ajudam, não há nada que o universo possa fazer a respeito. Florence, jamais desista dessas pessoas. Elas serão difíceis de convencer, mas você não pode parar de tentar. Cada um desses indivíduos possuirá um papel muito importante no futuro. Como você deve saber, tudo está conectado. Se qualquer pessoa deixar de servir seu propósito nesse mundo, essa falha será propagada e amplificada com o passar do tempo. Eventualmente, produzirá resultados diferentes do esperado. Jamais se esqueça disso: todas as pessoas são elementos-chave. Comece por aquelas que mais precisarem de você.

Finalmente, o mais importante: você não conseguirá fazer tudo sozinha. Mas isso não é motivo para desanimar! Você terá ajuda. Apenas faça a sua parte, e você verá que muitos começarão a seguir o seu exemplo. Pessoas que você jamais imaginaria serem capazes de grandes feitos serão transformadas na frente de seus olhos!

Não destrua esta carta. Caso não queira guardá-la para si, deixe-a ao vento e ela certamente encontrará alguém que precise dela tanto quanto você. Se quiser ficar com ela, não tem problema. Em muitos momentos, você vai duvidar do seu caminho. Esta carta certamente  fará com que você recupere suas forças. Eu não estarei aí, por isso cabe a você espalhar as boas novas! E não se esqueça de mais uma coisa: cresça, mas jamais se esqueça da mágica que há dentro de cada um de nós. Ela é real!

Muito boa sorte Florence! Sua missão será muito mais difícil que a minha. Mas você terá sucesso. Eu posso sentir.

-L.”

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