Nós deveríamos parar.
Parar de dizer que nos importamos com os outros. Nós nos importamos com uma dezena de pessoas, no máximo. Pra nós, não faz diferença o sofrimento de todo o resto, contanto que esteja tudo bem com o nosso pequeno círculo e os nossos problemas insignificantes não nos aborreçam muito.
Parar de dizer que nos importamos com o mundo. Todos nós sabemos que a nossa situação é insustentável neste planeta da maneira que vivemos. Então onde está a mudança? As ações concretas? Os compromissos? Na verdade, não fazemos nada porque acreditamos que já estaremos mortos quando a verdadeira crise começar. O que equivale a dizer que não nos importamos nem com nossos filhos e filhas que terão de habitar este mesmo mundo depois de nós. Tampouco com nosso futuro como espécie.
Parar de dizer que nos importamos com os animais. Nós literalmente provocamos câncer em animais para que possamos desenvolver remédios para aumentar a nossa expectativa de vida. Colocamos fotos e vídeos de nossos cachorrinhos e gatinhos para todo mundo ver, morremos de orgulho deles. Mas não damos comida ao cachorro desnutrido da rua porque “ele vai ficar voltando depois”. Realmente, um animal faminto querendo se alimentar novamente. Um absurdo. E ah, fazemos isso com outras pessoas também.
Parar de dizer que não temos preconceito. É mentira. Podemos não falar, mas como pensamos! Como julgamos! O que nos faz, também, covardes. Parar de dizer que respeitamos e tratamos todo mundo da mesma forma. Basta ver quem vai querer escolher em uma competição a pessoa que tem a maior desvantagem. Mesmo que essa competição não valha absolutamente nada além do direito de se gabar depois.
Parar de dizer que somos pessoas boas. Nós não somos. Deixamos passar despercebido tudo as coisas boas que nos fazem, mas que se atrevam a nos incomodar um pouquinho que seja! E se fomos nós que erramos, não temos sequer a decência de pedir desculpas, porque não queremos nos sentir inferiores. E na rara ocasião em que alguém se desculpa, quantas vezes realmente perdoamos (mesmo quando dizemos perdoar)?
Parar de acreditar que somos a espécie mais avançada. Porque não somos. Destruímos tudo ao nosso redor, até não sobrar nada. Organismos simples como os vírus não matam 100% de seus hospedeiros porque sabem que se acabarem com todos, estão condenando a si próprios no processo. Mais estranho que isso é o fato de que quando não há mais nada para destruir, passamos a destruir uns aos outros. Mais estranho ainda é que temos a capacidade de mudar mas escolhemos não faze-lo todos os dias. Na verdade, todas as outras espécies devem olhar para nós com um misto de incompreensão e asco.
Parar de dizer que estamos “fazendo a nossa parte”. Não estamos. O mundo precisa de muito, muito mais de cada um de nós. E todos sabemos disso. O que fazemos, fazemos apenas para poder nos sentir melhor. Ou para que possamos dizer que estamos contribuindo. Além de irrelevante, isso é ainda mais mesquinho do que não fazer nada.
Nós deveríamos simplesmente parar e calar a boca.
Refletir em silêncio sobre o que estamos fazendo até que tenhamos algo de útil para dizer.
Para aqueles que já estão mudos, meus parabéns. E para aqueles pouquíssimos que realmente estão fazendo alguma diferença, eu espero poder ser igual a vocês um dia. Espero, para nosso próprio bem, que todos possamos.
(Doppelgänger – Severn Suzuki: Discurso – ECO 92)